CazéTV prepara movimento para a TV aberta e muda o jogo da audiência esportiva
A briga pela audiência do esporte ganhou um novo capítulo. A CazéTV, fenômeno de transmissões no YouTube, estuda levar seu sinal para a TV aberta. A possibilidade foi admitida por Teresa Penna, chefe de distribuição do canal, em 14 de agosto, durante o +TV Forum. Não há projeto fechado, nem cronograma. Mas a ideia está no radar para ampliar alcance e presença de marca.
O desenho é claro: complementaridade. A CazéTV quer somar novas janelas sem abandonar o que a fez crescer no digital. Penna cravou que o canal seguirá 100% dedicado ao esporte, preservando a essência gestada pelos fundadores da LiveMode. Em outras palavras: ampliar cobertura, não diluir a proposta.
Lançada na véspera da Copa do Mundo de 2022, a CazéTV escalou rápido. Empilhou públicos massivos em jogos de futebol, eventos olímpicos e modalidades que raramente ganham horário nobre. Em 2025, avançou na distribuição com parcerias em plataformas e ambientes diferentes: Amazon Prime Video, Disney+, Samsung TV Plus, Mercado Play e Sky+. Esse pacote abre portas em streaming por assinatura, TVs conectadas e canais FAST, levando a marca para além do feed do YouTube e dos apps no celular.
O passo seguinte já tem data para testar limites: em 2026, a CazéTV vai exibir todos os jogos da Copa do Mundo de graça no digital. É um marco histórico, com potencial de pressionar o restante do mercado. Se a operação na TV aberta sair do papel antes ou durante o ciclo do Mundial, a combinação de alcance nacional com distribuição online massiva pode rearranjar a hierarquia da audiência esportiva.
Enquanto a CazéTV estuda o salto, a Xsports já virou a chave. Operada pelo Grupo Kalunga, a nova emissora esportiva estreou em 16 de agosto com sinal aberto em várias capitais e grade 24 horas só de esporte. A proposta inclui campeonatos europeus, vôlei, automobilismo e até e-sports. Parte dos direitos exibidos chega por sublicenciamento da ESPN, uma estratégia que acelera a montagem de programação com conteúdo reconhecido.
O efeito dominó bateu na porta da Globo. A emissora prepara o GE TV, canal gratuito no YouTube, com transmissão ao vivo e linguagem mais solta para falar com a audiência jovem. A estreia está marcada para 4 de setembro, no jogo Brasil x Chile, com equipe própria e estilo que replica o que deu certo no ambiente digital. A mensagem é direta: esse público não pode ficar sem resposta dentro de casa.
No centro dessa virada está um novo arranjo de negócios: os chamados “direitos digitais abertos”. Impulsionados pelo sucesso da CazéTV, detentores de direitos passaram a fatiar os pacotes, criando uma camada específica para o online gratuito, além das janelas tradicionais de TV aberta, TV por assinatura e streaming. Para quem vende, é receita incremental e penetração em faixas de público que migraram do controle remoto para o celular. Para quem compra, é brand lift em cima de eventos premium, com linguagem nativa e menor barreira de acesso.
Levar a CazéTV para a TV aberta, porém, vai além de apertar um botão. Há caminhos possíveis, cada um com custo, prazo e complexidade. Entre eles:
- Parceria com uma rede ou grupo regional, usando faixas de programação e afiliadas para cobrir o território sem construir uma operação do zero.
- Compra ou arrendamento de horários em praças estratégicas, criando presença gradual em capitais com maior densidade de público esportivo.
- Montar uma rede nacional própria, com engenharia, distribuição, afiliadas e vendas locais, o cenário mais caro e demorado.
Em qualquer rota, entram variáveis que pesam no P&L: engenharia de transmissão, produção contínua, equipe para jornalismo e estúdios, além de conformidade com regras de publicidade e classificação indicativa. Há também o tema medição: na TV aberta, o jogo é medido por painéis como o da Kantar, e a conversão de audiência em GRPs e CPPs segue lógica diferente do CPM do digital.
Outro ponto sensível é o custo dos direitos. Pacotes que hoje contemplam “digital aberto” podem subir de patamar se incluírem exibição na TV aberta. Exclusividades, janelas e cortes regionais passam a pesar na negociação. Para marcas, por outro lado, o ganho de cobertura ajuda a travar campanhas nacionais, combinando TV aberta, CTV e social em planos integrados.
Há também um lado estratégico de distribuição. A presença na TV aberta atinge quem não tem banda larga estável, quem usa franquias de dados no celular e quem ainda vive a rotina do controle remoto na sala. Bares, restaurantes e espaços públicos tendem a priorizar sinal aberto pelo simples fato de “sempre estar lá”. Isso muda a curva de frequência de exposições para patrocinadores e amplia o engajamento fora do celular.
O modelo editorial não deve mudar. A CazéTV construiu relevância com narração solta, humor na medida e respeito ao jogo. O desafio é transportar essa identidade para um ambiente com intervalos fixos, breaks comerciais e mais rigidez de grade. A equação possível combina eventos ao vivo, estúdios diários e formatos curtos para preencher a grade sem perder ritmo, algo que a Xsports já tenta comprovar desde a estreia.
No curto prazo, o público pode esperar a CazéTV do jeito que conhece: digital-first, agenda guiada por eventos e presença ampliada nas plataformas parceiras. A TV aberta, se vier, tende a nascer como teste controlado, praça a praça ou em janelas específicas de grandes jogos. O ciclo da Copa do Mundo de 2026 é o grande trunfo para acelerar esse experimento.
Para os concorrentes, o recado é de velocidade. Xsports adianta terreno no aberto; GE TV tenta cercar o público no YouTube com um selo tradicional e linguagem leve; plataformas de streaming seguem brigando por direitos premium para segurar assinantes. Nesse tabuleiro, quem conseguir costurar distribuição ampla com linguagem nativa e bons acordos comerciais fica um passo à frente.

O que muda para a audiência e para os anunciantes
Do lado da audiência, o saldo é positivo: mais jogos grátis, mais opções e mais formatos. A fragmentação vai aumentar, e o usuário passa a zappear entre TV aberta, YouTube, apps de smart TV e plataformas parceiras. Hábito importa: quem se acostumou a ver futebol no celular pode migrar para a TV na sala quando for conveniente, sem culpa e sem fricção.
Para anunciantes, o pacote ganha elasticidade. TV aberta entrega escala rápida e cobertura em massa; o digital oferece segmentação, mensuração fina e formatos nativos. O novo normal é planejar com os dois mundos. Marcas que entenderem o tempo certo de cada janela — evento, pós-jogo, cortes e conteúdos de bastidores — vão capturar atenção por mais tempo e com menor desperdício.
Para os detentores de direitos, a tendência é estruturar melhor as camadas de distribuição: aberto digital, aberto linear, assinatura e VOD. Cada camada com preço, exclusividade e obrigações diferentes. Quem comprar pacotes híbridos e souber ativar comunidade em volta do evento leva vantagem.
A janela de 2025–2026 deve ser o grande teste. Com Xsports no ar, GE TV chegando e a CazéTV mirando a TV aberta, o mercado brasileiro volta a experimentar um triângulo que parecia distante: esporte grátis, linguagem direta e distribuição onipresente. É a velha TV aberta ganhando alma digital — e o digital descobrindo que estar no 0-13 do controle remoto ainda faz diferença.